26.4.11

RAZA- Um Filme de Propaganda Fascista e Uma Novela de Jaime de Andrade

Uma Breve Análise.

O filme Raza foi feito de acordo com as recomendações do regime franquista e baseado na novela homônima do autor Jaime de Andrade, que mais tarde foi descoberto ser um pseudônimo de Francisco Franco, cuja intenção era mostrar aos espanhóis um ideal de povo que se apega aos costumes e a religião, assim como também, exalta as forças armadas. José é filho de um marinheiro que perdeu a vida na guerra hispano-americana; após alcançar a maioridade entra para o exército espanhol -o filme não mostra esse processo- ele ainda é criança e depois da morte do pai já o vemos capitão do exército. José, então, entra em embate com o irmão mais velho, pois esse é aliado dos republicanos. Ao final o irmão de José, Luis, entrega aos fascistas as táticas republicanas permitindo assim que esses vençam a guerra. O filme é repleto de simbolismo, antes de se corromper Pedro tem seu irmão mais novo Jaime, que é padre, assassinado pelas forças antifascistas, José também sofre um atentado, mas sobrevive, segundo o filme graças à glória de Deus.
Essa glória salvadora de Deus é reforçada em várias partes do filme assim como a violência antifascista contra os padres. Jaime, o padre, é mostrado sempre de forma serena inclusive ao lado de crianças órfãs que são ajudadas pelo jovem sacerdote. Isso faz um grande contraponto com os padres mostrados nos filmes antifascistas, nos quais esses aparecem sempre como repressores e corruptos. A cena da morte dos padres é representada de forma romântica embora haja grande precariedade tanto nos efeitos especiais quanto na atuação dos atores. A foto de Franco aparece diversas vezes em momentos de bravura e luta e servem para reforçar a importância do caudilho no conflito civil.
Na cena final, a vitória fascista é festejada com grande louvor, principalmente mulheres e crianças são mostradas como grandes adeptos do novo regime, Franco está posicionado em um palanque olhando a marcha dos militares sobre a Espanha. Finalmente o filme busca fazer um retrato da “Raza” espanhola que, devido ao seu grande passado de lutas, como a guerra da reconquista ou a guerra hispano-americana, são reforços para o grande triunfo frente os comunistas e anarquistas.

Considerações sobre o artigo: “Raza, novela de Jaime de Andrade, pseudónimo de Francisco Franco.” Escrito por Rafael Utrera Macías da Universidade de Sevilla.

O artigo de Macías vem nos dar uma luz sobre a novela de Francisco Franco, esse autor especula a possibilidade da obra literária já ser escrita com a intenção de que se tornaria um filme. A análise nos mostra as modificações feitas pelo diretor da novela para o filme, essas modificações fazem com que, ora a obra literária ora o filme, percam ou ganhem muito nas suas intenções. Por exemplo: na novela, José o personagem que representa Francisco Franco, é preso por um grupo republicano e condenado à morte[1], mas quando está para ser alvejado,  ocorre uma invasão aérea e José se salva, no entanto ele é atingido por um tiro acidental. Já no filme a cena do fuzilamento não ocorre desta forma, o protagonista é fuzilado, mas se salva de forma milagrosa, mostrando uma faceta do caudilho que encontramos no livro “La Guerra Civil Española” de Paul Preston: “Los oficiales ‘africanistas’ Le respetaban por su impasible crueldad, así como las tropas moras, porque las numerosas ocasiones em que habia escapado milagrosamente de la muerte les habían convencido de que poesía el poder místico de la baraka o invulnerabilidad.” (Preston, 2005). Este trecho explica o impacto da cena que dá o caráter de herói a José.
Outro ponto principal, que possui força semelhante tanto no filme quanto na novela, é a (oni)presença do general Franco, segundo Utrera aponta, na novela o nome do caudilho é pronunciado diversas vezes de acordo com seus êxitos e triunfos, já no filme o que aparece é sua imagem, principalmente quando Luis Exteberria titubeia em continuar no conflito. A imagem do general aparece de forma religiosa e se faz presente nos momentos de angústia, atuando como uma força externa que “ilumina” o campo de batalha. Talvez isso seja causado também pela dificuldade que o diretor encontra, ou encontrou, em transformar as palavras em imagens, mas como se trata de um filme fascista, feito pelo ministério da propaganda e que possui forte influência do cinema nazista de Leni Riefenstahl [2] , podemos concluir que essa pode ser umas das técnicas de propaganda utilizadas pelo governo franquista.
Utrera segue seu trabalho agora apontando os eixos temáticos da novela. Esses eixos temáticos, e isso é o que mais importa, aparecem de forma massiva durante ambas as obras. O autor começa discursando sobre o assunto nos alertando que tudo em Raza deve ser olhado como alegoria. Partindo desse princípio começa a apontar e a decifrar essas alegorias na obra literária, não por acaso são semelhantes às alegorias do filme. Os conceitos mais trabalhados na novela são: o dever, a pátria, a raça e a honra, além de outros dois conceitos que entram em pátria, a própria Espanha e a nação. Afinal para o governo fascista de Franco de que se trata a Espanha? Quem são os Espanhóis e quem forma a nação? Para responder essas perguntas nada mais do que recorrer aos diálogos e também à formação dos personagens da obra.
O personagem José nada mais é do que a representação do caudilho, e, como ele diz, seu sangue é da Espanha, assim como também Utrera cita diversas frases do protagonista do filme para firmar essa condição. A análise segue com a exaltação ufanista da Espanha como país, que além de ser colocada na obra como “la nación amada por Dios”, todos os poderes divinos se voltam para ajudar o país. Na obra o estrangeiro é mal visto para a Espanha, sua repressão ajuda a criar uma nação mais forte, no filme, no entanto, esse ódio ao estrangeiro não é apontado, pelo menos não de forma tão clara, as únicas cenas que nos levam a esse pensamento, são as cenas em que vemos a Espanha ser "ultrajada" pelos Estados Unidos na guerra de Cuba. A abominação ao estrangeiro também vai ser retirada de outro fator importante e latente dos discursos fascistas, a questão da raça, principalmente quanto à sua gênese. O autor através do personagem Pedro Churruca, o pai, vai mostrar, em uma cena, a genealogia do heroísmo espanhol, que será reforçado no final da película com a vitória fascista; o primeiro desses guerreiros natos é Damian Churruca que lutou e morreu na Batalha de Tralfaguar, batalha a qual é mostrada no inicio do filme, no entanto, na novela, como mostra Utrera, essa árvore tem raízes muito mais antigas, essa “raza” se inicia nos fenícios. Dando continuidade aos pilares franquistas, agora encontraremos mais duas palavras chaves dessa composição da ideologia espanhola, essas palavras são: Dever e honra. Esses dois termos caminham juntos no filme, ao cumprir o seu dever perante a sua pátria, conquista-se a honra. Utrera mostra que, para enfatizar melhor, há personagens fascistas que titubeiam perante o dever e consequentemente perdem a honra, esse é o caso de Luís Exteberria, o capitão abandona o front, assim como no filme, quem vem alertá-lo sobre seu erro é José, este convence o cunhado dizendo que sempre deve buscar a honra, e a honra não está desligada, nunca, do dever de salvar a Espanha.
Outro ponto relevante na novela de Jaime de Andrade é a questão da importância que se dá na luta contra os inimigos dos fascistas. O conflito é chamado pelos personagens de cruzada, o termo faz uma referência direta à guerra da reconquista, só que agora a Espanha está tomada por republicanos, anarquistas e comunistas e não por mouros. Os inimigos tem um tratamento especial no filme, assim como na novela, isso é clarividente, pois todos os antifascistas sempre estão desalinhados e com roupas velhas, não só isso, como também a aparência física degradada do inimigo é latente. Há também uma generalização da nomenclatura, todos são “rojos”, no mais claro da palavra, todos são comunistas independente da verdadeira ideologia e do cargo ocupado. Além dessa generalização da esquerda, há o esquecimento da direita, no qual Alemanha e Itália são apagadas da Guerra Civil como se nunca houvessem participado do conflito, sabemos, no entanto que essas nações tiveram papel crucial para a vitória fascista. Como diz Utrera, há uma substituição da história por uma história oficial.
Finalizando as análises temáticas, Utrera vai apontar para dois grupos que são colocados na novela: as mulheres e os professores. O primeiro grupo é retratado como total dependente dos homens, as mulheres tem papel na guerra somente nas questões do lar. Já as mulheres do lado inimigo são tratadas como lésbicas e masculinizadas. Há inclusive uma passagem que ocorre tanto no filme quanto na novela, na qual uma mulher teve o cabelo cortado por republicanos, o capitão do exército então pede que lhe arrumem roupas adequadas para uma mulher. Já o professor é visto como ser dispensável e débil pelos fascistas, para os personagens centrais da novela é na universidade que se fomenta a decadência da Espanha.
O artigo se encerra com uma análise do estilo da linguagem utilizada na obra, isso ocorre tanto no filme como na obra literária. Utrera primeiro nos mostra que o autor, Jaime de Andrade, usa um linguajar menos rebuscado quando se trata dos milicianos, podemos até afirmar que isso se trata de uma chance de barbarizar os antifascistas, afinal se esses não são pela Espanha logo por que falariam a linguagem de forma correta? Algumas considerações sobre o tempo, os sons descritos e as questões naturais que caminham junto com o ânimo dos personagens, são feitas pelo autor que termina sua obra discorrendo sobre as cacofonias e repetições que, como ele afirma, são frequentes na obra.
Embora algumas diferenças entre a novela escrita e o filme, ambos tem e atingem o mesmo propósito, recriar a história da Espanha, principalmente da Guerra Civil Espanhola em favor do regime fascista. É claro e são óbvias as intenções de degradar a classe trabalhadora e os grupos antifascistas, assim como as alegorias são colocadas de forma a condicionar o pensamento do espectador para aceitar o regime. Essa adaptação cinematográfica é proposital devido ao forte impacto que o cinema consegue sobre os espectadores, além de trazer as ideias de forma mais didática ao grande público, afinal nenhum regime político existe se não for por um apoio das massas.

[1] Na novela, diferente do filme, esse processo ocorre de forma mais demorada, acontecem diversos eventos antes de José ir para a sua execução.

[2] MATEOS, Araceli Rodríguez. Un Franquismo de Cine: La imagem política Del Rgimén em El noticiário NO-DO (1943-1959). Madrid: Ediciones RIALP, 2008

PRESTON, Paul. La Guerra Civil Española. Barcelona: Debate, 2008.

Artigo:
http://www.cervantesvirtual.com/obra/raza-novela-de-jaime-de-andrade-pseudonimo-de-francisco-franco--0/

Filmografia
Raza- arquivo próprio.

Claudio Eduardo da Silva

3 comentários:

  1. Muito bem! é o cinema tem mesmo essa capacidade "discreta" de nos encher de idéias! Adorei :Ç)

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  2. Achei interessante o fato das mulheres anrquistas e comunistas serem tratadas como lesbicas e representadas com jeito masculino pois essa é uma imagem que tenho na minha cabeça, são muitos os filmes q as representação assim!! Não me lembro de nenhum agora mas sei q essa impressão q tive está relacionada a vê-las assim em muitas outrs filmes!!! Legal nao tinha pensado nisso!

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  3. O mais interessante é que no filme Lebertárias elas aparecem retratadas dessa forma mais masculinizada, logo farei um post sobre isso.

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